quarta-feira, 19 de março de 2014

Eduardo visita o Rio de Janeiro

Eduardo permaneceu sem atender clientes por uma semana. Precisava ordenar os pensamentos, trabalhar como uma pessoa normal, dormir noites inteiras, sentir a paz de suas caminhadas pelo campo. E conseguiu. Já se via um homem bem mais disposto. 

Ele nutria a ideia falsa de que sua segunda atividade profissional lhe trazia todos os problemas que ele tinha de resolver, mas os problemas que mais o afligiam vinham de dentro dele mesmo. Talvez sua escolha em vender companhia, afeto, atenção, fosse realmente uma forma de esgotar o vazio existencial que suas clientes experimentavam e trazer esse vazio sobre suas próprias costas, um fardo a mais para carregar pelo resto de sua vida. Quem sabe, assim como suas clientes, algum dia ele também pudesse se livrar daquela imensa carga emocional. Mas no fim das contas, ele sabia que desempenhava um papel importante. Conviver com sentimentos alheios lhe trazia uma medida mais sensata sobre a razão pela qual os humanos vivem tantas incongruências em suas vidas afetivas.

Finalmente, numa sexta-feira bem cedo, Eduardo tomava o rumo da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Uma mulher muito sentimental esperava por ele. Cátia era uma carioca bem parecida com as outras cariocas para quem a visse correr, todas as manhãs, no calçadão de Ipanema. Pele morena, cabelos castanhos escuros, corpo bem delineado apesar de seus 40 anos de idade. Nunca se casou. Desde menina, vivenciara os desencontros de seus pais, a amargura de sua mãe que, vinda do interior, sempre depositara esperanças num marido que, apesar de atencioso, gostava da boemia. Ela assimilou, com isso, a ideia de que os homens eram "malandros dedicados a enxugar todos os prazeres que as noites nos bares da Lapa pudessem oferecer", como ela mesma diz. Para Cátia, o casamento é o ápice de uma relação que se inicia a toda velocidade, mas termina se arrastando no acostamento, lenta, doente. Percebia os sentimentos dentro de si, como verdadeiras torrentes que jorravam do coração, mas não tinham onde desaguar. Ela sempre ouvira dizer que isso era coisa de "gente quadrada", mas não conseguia ser como as outras mulheres. Mal sabia ela que muitas mulheres procuram ocultar dentro de si os sentimentos por uma questão de sobrevivência e aceitação no meio social.

Assim, Cátia conheceu alguns garotos de programa. Saiu com três deles. Uma perda de tempo! Os rapazes eram bons demais na cama, mas ela não podia conversar assuntos mais sutis com eles, pois eles não entendiam nada que fugisse de riqueza material, do fruto insaciável do capitalismo. Ela procurava algo mais que sexo. Procurava companhia, uma risada sincera, um parceiro para caminhada. Preferiu varrer as salas de bate-papo, o facebook, mas sem intenção de estar com alguém fisicamente. Foi por estas idas e vindas na internet que conheceu Eduardo. Ele não se apresentou como um acompanhante executivo, pois se conheceram pelo facebook. Eduardo tinha vários perfis, que, com a devida triagem, traria ou não a mulher para seu perfil oficial em que se apresentava como profissional em relacionamentos.

Conversaram por várias madrugadas até Eduardo lhe contar o que fazia para ganhar a vida. A moça, já calejada em ouvir histórias de tragédia e de sofrimento pela internet, se fez de cética e pediu o perfil do rapaz. Ele deu. Ela decidiu se jogar mais uma vez daquele encantador despenhadeiro cheio de espinhos, mas também de sândalo, porque parecia ver algo mais que sexo naquele homem diferente.

Saíram num fim de outubro qualquer. Cátia viu em Eduardo um marido perfeito. Ele disse-lhe que, apesar de ele acreditar que ela via nele um marido perfeito, ele desempenhava o papel de um ator durante os encontros. Sempre atencioso, educado, inteligente, conhecedor de arte e de lugares inesquecíveis, potente na cama. Perfect! Mas o michê a alertava que ela não atravessasse a linha que ambos desenharam no chão com um giz. O limite entre a fantasia e a realidade seria transposto com lágrimas e sofrimento. Não valia a pena. Ele já tinha perdido no amor, e não queria mais carregar a angústia de ter de se dar a uma mulher sem mesmo saber mais quem ele mesmo era. Estava na vida apenas para se redimir das culpas pretéritas e para tentar oferecer às "suas" mulheres, o que ele imaginava ser um amor perfeito.

À medida que ele descia a serra das araras, o cheiro de sal entrava sutil e furtivamente pelo vidro parcialmente fechado do carro e o clima esquentava anunciando a proximidade da cidade maravilhosa. Ele chegou à zona sul, se instalou no Ipanema Plaza, almoçou e resolveu passear pelas areias da praia depois de atravessar a movimentada Vieira Souto. Há alguns anos ele se despedia para sempre de um grande amor naquelas mesmas areias. Ele pensou nisso e um rasgo de tristeza passeou pelos seus olhos frios.

Ele estaria com Cátia naquela noite. Ansioso por se ver naqueles olhos brilhantes da mulher com quem passaria  noite, mas receoso por estar de novo naquela cidade que tanto lhe deu, mas tanto lhe cobrou.

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