domingo, 30 de setembro de 2012

A tempestade nunca foi tristeza


Pensando bem, a tempestade nunca foi tristeza. Estive a pensar longamente sobre isso. E concluí que quando as nuvens fecham o céu, quando o sol se vai, o que fica é a possibilidade de se refazer. É a águia que quebra o bico na rocha para que outro nasça mais forte e ela possa viver mais outros tantos anos. É o aço que queda-se dentro do cadinho escaldante para que tome outra forma e se torne mais forte.
Necessário se faz buscar sempre. Somos nossos piores inimigos. Nossas fraquezas tornam-se evidentes em momentos de tempestades. Mas as forças que emergiram durante a tempestade anterior são úteis para dissipar essa última. É um ciclo de renascimento eterno. Incrivelmente a lucidez é maior durante as tempestades. Então seria preciso que eu tenha esses ciclos eternamente? Acho que um dia a lucidez da tempestade se fará presente em dias de sol. E a luz do astro maior enfim trará a sabedoria e a paz que só as nuvens são capazes de trazer nos dias de hoje.

domingo, 23 de setembro de 2012

Durante a madrugada


Estávamos nus estirados sobre a cama, em silêncio. Olhávamos nos olhos, procurando adivinhar os pensamentos que rondavam nossas mentes. Havíamos a pouco, mergulhado no prazer intenso, procurando em cada parte do outro, segundos a mais de prazer, de volúpia infinita. Nossas carnes, já suadas, testemunharam nosso frêmito de desejo. A televisão ligada ao acaso mostrava a cena de um casal em vias de se separarem, mas nós não estávamos acompanhando o conflito deles. A cena mostrava uma mulher enrolada num lençol, com os cabelos desgrenhados e os olhos aflitos. O homem falava ruidosamente sem demonstrar amor ou cuidado por ela. O cheiro de sexo inundava nosso quarto. Consumimos todo o conteúdo de uma garrafa de água mineral que suava gelada no ambiente quente pelo prazer. A penumbra contribuía decisivamente para que o clima de pecado se instaurasse definitivamente ali. Enquanto isso as lágrimas rolavam grossas e aos borbotões pelo rosto da mulher prestes a ser abandonada pelo amante. Seu marido suspeitava da traição e a ameaçava abandonar. O amante, por sua vez, tencionava abandoná-la porque não suportava a ideia de ter que desposá-la. Queria-a somente como amante. Um estranho paradoxo para ela que se perguntava como isso lhe acontecera. Como o desejo lhe entorpecera os sentidos daquela maneira? Enquanto isso, eu e Amália cochilávamos sonolentos e embaraçados um no outro.
Fui despertando do último êxtase lentamente. Levantei, fui à varanda, fiquei espreitando a cidade que dormia sob a luz da lua fraca e enevoenta que pairava no oeste. Amália chamava-me para juntar-me a ela na cama. Eu precisava ficar só por um momento. Parecia que o sexo já não resolvia certas necessidades nossas. Ela, carinhosa e dependente, chegou-se a mim, tocou-me nas costas, puxou-me pelo pescoço e ali, na varanda, nua e completa, ofereceu-me a boca que beijei intensamente. Um beijo é um mistério que procuro interpretar a cada instante. Somente a intensidade do ato me revela suas nuances mais sutis. Certa vez, junto a uma mulher que nem sabia o nome, num momento de desejo pronunciado, beijei-lhe com estrépito e mordisquei-lhe os lábios inferiores. Passei a língua por entre os lábios e as gengivas e ela gemeu de prazer. A partir desse dia, percebi o quão interessante e revelador pode ser um beijo bem elaborado.
Eu já podia ouvir o casal da TV discutindo a bom som, barulhos de tapas e safanões percorrendo o quarto. Ele foi embora e bateu a porta vigorosamente. Eu me permitia pensar como se fosse o protagonista daquela cena, excluindo obviamente as agressões físicas que eles trocavam, porque penso que uma mulher deve ser respeitada a cada momento. Mesmo que as discussões se desenrolem doloridas, áridas e severas, o respeito à outra parte deve se fazer presente sob pena de esfriarmos as fibras de nosso ser com o embrutecimento do espírito e a deturpação moral. Amália era a mesma mulher doce e atraente de sempre. O que havia mudado era meu eu. Eu já a conhecia como a mim mesmo, e por alguma razão isso me incomodava. O que eu conhecia me causava medo e apreensão. Não entendia o motivo disso por mais que me esforçasse para me analisar. Preciso de um analista, pensava eu, tomando um gole do champanhe que já rolava quente pela garganta. A mansidão do mar não permite que os perigos se mostrem audazes. As tempestades não se fazem nas marolas. E meu espírito precisava da tormenta para que algo acontecesse. A metamorfose humana acontece nas situações tempestuosas e comigo não parecia ser diferente.
Amália havia voltado para a cama e sorvia goles infinitos de água mineral. Estava falando consigo mesma, numa intensidade que eu ouvia da varanda. 
- Calma, sua esfomeada. 
- Esfomeada não porque não estou comendo nada, estou bebendo... 
Eu sorria com pena de mim mesmo e com pena dela. Ela não merecia a separação. Seus olhinhos brilhavam de felicidade perto de mim. Até seus cabelos esvoaçavam com mais beleza por conta da sua alegria. Eu a via nua, seios perfeitos, quadris desenhados cuidadosamente. As nádegas, grandes, tinham uma curvatura suave e perfeita. Percebi um fio de cabelo colado pelo suor em sua bunda. Ela estava feliz à minha espera para celebrarmos nosso amor novamente. Tomei o restante da taça, olhei novamente a cidade e entrei. Joguei uma água no rosto, mirei-me no espelho e voltei para a cama. Como um cão faminto pulei sobre Amália e procurei esquecer aquela loucura que eu acalentava idiotamente. Beijei-lhe com sofreguidão enquanto olhava em seus olhos entreabertos. Procurei seus seios que palmilhei com a língua, milímetro por milímetro. Sentia o cheiro da sua pele. Invadi-lhe com fome de amor. Os movimentos logo se tornaram evidentes e audíveis. Ficamos nos olhando durante todo o ato. Cariciei-lhe os cabelos e cheirava-os, acuradamente. Mudamos de posição e passamos a espancar nossos corpos de quatro. Amália gemia e chorava de prazer implorando-me mais um orgasmo. Explodi por fim enquanto ela gozava mais uma vez. Estendeu-se na cama e eu caí ao seu lado exausto, satisfeito. Ela começou a me jurar amor eterno e me pedir para nunca abandoná-la. Como que num turbilhão, a velha idéia de deixá-la voltou a tomar parte de meus pensamentos. Ela me acariciava o peito, me beijava o rosto. Seu corpo nu era algo suavemente belo. Suas ancas perfeitas estavam avermelhadas pelo impacto repetitivo no meu quadril. Eu simplesmente não tinha coragem de dizer-lhe o que pensava.
Fico até hoje tentando pactuar certos pensamentos com certos sentimentos. Curioso como pode duas vertentes tão íntimas e irmãs se divergirem tanto dentro de um mesmo coração. Sentimento e razão realmente são irmãos, mas quando se desentendem destroem vidas e lares. Amália nunca havia me enganado. Amava-me de fato. O problema é que eu não podia mais estar com ela embora a amasse como a mim mesmo.
Rodei os canais no controle remoto procurando algum programa que não sabia qual. A cena do casal se separando havia me impressionado sobremaneira. Amália estava deitada de lado, ancas expostas, seios a mostra e me olhava com uma alegria inexplicável. Eu procurava não demonstrar que eu percebia o que dizia aquele olhar confidente. Achei finalmente um programa sobre a vida e obra de Antonio Vivaldi. Ao fundo tocava uma de suas obras mais famosas: As quatro estações. Essa obra me lembrava de uma época saudosa de minha vida em que eu morava numa cidadezinha do interior de Minas. Naquela época eu estava descobrindo um novo jeito de viver a vida. Lia livros e mais livros diariamente, de forma febril. Num mesmo ano eu havia lido mais de cento e quarenta livros. Acordava com o barulho de gado mugindo ao longe na vargem. Trabalhava da forma mais aplicada possível no serviço público e voltava para casa para entregar-me novamente á leitura e à música. Vivia para uma mulher com dedicação quase que religiosa. Eu sempre executava Vivaldi no meu aparelho de som. Época maravilhosa aquela. Veneziano por nascimento, Antonio Lucio Vivaldi era o primogênito dos sete filhos do casal Gionanni Battista Vilvaldo, e cAmila Calicchio.  Ordenado padre em 1703, ficou impedido de celebrar a missa em decorrência de uma doença crônica, provavelmente asma. Foi nomeado mestre de violino do "Ospedalle della Pietà", uma instituição veneziana que acolhia crianças órfãs, famosa por seu conservatório musical. Pensava comigo mesmo: Vivaldi ficou enclausurado durante anos para se tornar padre e foi impedido por causa de uma doença que adquiriu. Foi por uma razão alheia a sua vontade, mesmo estando em condições plenas de fazê-lo. Tal qual eu, que nutria o sentimento mais sublime por Amália, mas uma razão determinante me impedia de ficar ao seu lado o resto de meus dias.
Finalmente, olhei Amália nos olhos e disse:
- Não podemos mais estar juntos, meu amor.
- O que? O que houve?
- Não posso mais.
- Não posso entender sua decisão. Há pouco nos amamos nessa mesma cama. O que você está querendo fazer com o nosso amor?
- Não agüento mais essa situação.
- Você tem que entender que não estarei casada com ele para sempre. Ele não me dá o divórcio, apesar de minha insistência diária.
- O que me mata, Amália, é esse sentimento enorme que tenho por você. O ciúme que me derrota. Todas as vezes que você volta para casa eu bebo novamente um cálice amargo de insegurança e ciúme.
- Espere mais uns dias que resolvo tudo.
- Não posso mais. Estou te esperando resolver isso há quatro anos. Quero-a como minha mulher, como minha amante. Quero-te totalmente.
- Podemos fugir. Que me diz?
- Fugir? Meu desvio moral de amar uma mulher casada já é o suficiente para me condenar no tribunal de minha própria consciência.
- Ninguém nos acharia.
- Ninguém pode fugir de si mesmo.
- Lá vem você de novo com essas palavras soltas.
- Quem solta minhas palavras é você. Eu procuro corrigir meus procedimentos morais, mas você me corrói a ética que construí por toda uma vida.
- Você me ama. É por isso que não me deixa. – Percebi o sorriso no canto de sua boca quando ela disse isso.
- Eu te amo como amo minha própria vida. Amo você com uma intensidade descomunal. Mas você não brilha apenas no meu céu.
- E como vamos resolver isso, meu amor?
- Você precisa deixá-lo ou deixar-me, você pode resolver isso dessas duas maneiras.
- E minha filha? Ele nunca me deixaria partir com ela.
- Sei que sua filha seja alguém que te permita desviar uma decisão. Mas o medo de perdê-la para ele não pode ser razão de uma curva no seu caminho.
- O que fazer? – Notei que as lágrimas desciam generosas dos olhos. Sua voz havia embargado de vez. Soluçava e chorava compulsivamente.
- Venha para mim. Traga sua filha. Abandone sua casa. Vamos ter um amor com aprovação moral. A retidão das decisões e da forma de viver são importantes para mim.
- Ele não nos deixaria viver em paz.
- Isso eu resolvo.
- Está bem. Então me dá um beijo e me diz que nunca vai me deixar.
- Você fica hoje e não volta mais para casa?
- Sim, meu amor.
E nos abraçamos com carinho e ficamos a nos amar, madrugada a dentro, protegidos pelos deuses sublimes da madrugada. 




sábado, 22 de setembro de 2012

O equinócio de primavera


Sei que tenho falado eminentemente de sentimentos, de minha busca pelo amor. Sei que a proposta foi falar das duas vertentes mais importantes, mas que na verdade querem dizer a mesma coisa. A busca pelo amor e a busca espiritual. Tenho dedicado maior atenção à busca pelo amor ultimamente [mas nem sempre foi assim]. Entretanto, vou falar hoje um pouco sobre a busca espiritual que todo ser humano faz, e que pode escolher sua forma mais peculiar de se ligar ao Criador. O amor é a raiz de toda busca, e como falo do Sentimento Maior aqui, vamos continuar a falar dele e procurar abranger várias de suas formas de manifestação. Vamos falar da antiga religião, ou Wicca. 
Ontem foi 21 de setembro de 2012 e mais uma vez no ano o dia e a noite se fazem iguais. É portanto, uma data de equilíbrio e reflexão. Os dias escuros se vão, e a terra está pronta para ser plantada. É a época do ano em que deus e deusa se apaixonam, e deixam de ser mãe e filho.
Nessa data, a semente da vida é semeada no ventre da deusa, a donzela revigorada e cheia de alegria. O deus é devidamente armado para sair em sua viagem no mundo das trevas e reconquistá-lo, para que posteriormente a luz volte a reinar. 
Ostara é o Festival em homenagem à deusa Oster, senhora da fertilidade, cujo símbolo é o coelho. Foi desse antigo festival que teve origem a Páscoa.
Coven ou Assembléia é, nada mais nada menos, que um grupo de bruxos e bruxas, que se unem num laço mágico, sob o objetivo de louvar a Deusa e o Deus e o juramento de fidelidade à Arte. Um Coven tem como filosofia "Perfeito amor e perfeita confiança”. Isto quer dizer que dentro do Coven deverá prevalecer a união, pois um Coven é, antes de mais nada, uma família.
Vem esquentando a atmosfera, os raios do sol baterão mais incisivamente. Tudo na Terra se movimentará mais rápido. Inclusive o amor. Continuemos a vivê-lo intensamente sem nunca nos esquecermos de que toda derrota no amor não é derrota, que todo adeus é apenas um até logo, e que toda vida deve ser vivida com amor, sem perdermos tempo com sentimentos menos nobres. 



Mais sobre o amor...

Buscar o amor não significa que ainda não encontrei, ou que nunca o tenha encontrado. O que busco são suas manifestações. Precipuamente penso que o amor se manifesta em todas as criaturas do mundo, do Universo. Assim, também busco suas manifestações em uma mulher, que para mim é uma das mais lindas manifestações do amor que se pode conceber. Toda mulher traz o amor carimbado na alma. Todos somos filhos do amor se considerarmos que somos manifestações de Deus e Ele é amor.

Amar uma mulher é, antes de qualquer coisa, aprendizado. Aprender a conhecer o amor é aprender a conhecer a si mesmo. Somos nossos próprios inimigos e à medida que vamos consumindo da fonte da sabedoria [que é uma forma de amor] vamos sendo mais fortes que nós próprios, vamos vencendo nossa ignorância, vaidade e orgulho.


Só o amor liberta. A sabedoria, uma das filhas mais velhas do amor, é um dos meios para se atingir um fim maior – amar sempre.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Ensaio sobre o corpo de Amanda


Estou a olhar a pele morena, fresca, úmida, com cheiro de mulher. Não estou falando de cheiro do perfume feminino, mas sim da pele dela. Aquele cheiro que se compõe da sensualidade, da etnia, do estado emocional, do tesão exposto nos poros. A fragrância resultante dessa estranha mescla é um potente feromônio que me atrai intensamente. Ao me aproximar dela, percebo que seu corpo treme. Apesar de nunca ter podido tirar suas roupas, porque ela o faz antes que eu possa fazê-lo, tamanho seu desejo (ou apreensão, não sei ao certo). Depois de se despojar das peças que ficam expostas, se retém apenas de calcinha e sutiã, deita na cama e se vira de bruços. Imediatamente passo a admirar aquele corpo sem tocá-lo. Apenas olhando. Sei que ela aguarda o toque. Ela sabe que admiro seu bumbum com
uma devoção extremada. Propositadamente ela se deita e mexe sutilmente com o quadril levantando sua bunda e deixando-a ainda maior do que é. Suas formas curvilíneas sutis me tomam de desejo fora de medida. Tal qual duas montanhas que se avolumam e tomam conta de meu olhar, apaixonante. Quando ela desfila pelo quarto, olho disfarçadamente, pois lhe causa timidez meus olhos devoradores. Pena que ela não saiba que minha admiração pelo seu corpo é maior que ela poderia simplesmente supor. Ao andar, ainda de calcinha, o que, inclusive forma um conjunto inigualável de beleza e desejo, é difícil não perceber que o meneio de seu traseiro é lento, encantador, pulsante na minha vontade desmesurada de agarrar-lhe ferozmente e tombar-lhe o corpo no catre e encher-lhe de potentes estocadas até explodirmos juntos, mais uma vez em infinito orgasmo.
É um lindo conjunto: seu rosto, seu cabelos sedosos, lisos, seus seios arfantes e redondos, seu tronco, seu abdômen, seu umbigo ornado com pequena pedra, sua cintura fina contrastando com o quadril proeminente, sua virilha, isenta de qualquer pelo, quente, suave, doce, fulminante; suas pernas longas, macias, indefiníveis, seus pés que terminam aquela obra de arte.

Um corpo em que mergulhei repetidas vezes, em êxtase desorientador, com sofreguidão dizendo-lhe, durante nosso amor, que a amava, e lhe beijando seus lábios com violento carinho, arrancando-lhe pequenos gemidos ainda tomados de acanhamento e embaraço. Quando eu explodo em gozo, plangindo em seus ouvidos, ela se treme toda, entendendo o meu momento e como que me acolhendo dentro de seu corpo pela última vez.
Se não fosse meu sentimento por você, menina louca, nada em você teria sentido apesar de belo, seus beijos não seriam inebriantes, apesar de doces, sua voz de menina não seria uma música, apesar de melíflua, seu rosto não exalaria luz, apesar de encantador, e suas nádegas... não, não, elas não seriam mágicas apesar de lindas.







terça-feira, 18 de setembro de 2012

Difícil de dizer


                 Naquele inesperado momento, ela levantou-se da cama vestindo apenas a peça íntima e correu para o banheiro batendo a porta com força. Ele havia ficado na poltrona, mal acomodado, com um copo de água gelada nas mãos. A discussão que acontecera há pouco foi pesada e ambos se abalaram de mais. A moça chorava às escondidas no banheiro temendo o que aconteceria. Temendo a próxima cena. O ato sexual que tiveram antes da discussão significava muito para eles, mas nenhum dos dois queria assumir isso diante do outro ou dar o braço a torcer. Ele, pensava ela, bem que podia querer assumir compromisso sério comigo. Ele anda tão imerso em seus próprios problemas que nem pensa em meus sentimentos. Ele é um idiota em não me querer. Nunca nos entenderemos. A paixão gosta de corações violentados e cheios de culpa por querer tanto alguém assim. Os homens são todos iguais.
              As lágrimas grossas rolavam pela pele fresca que cobria seu rosto vermelho de tanto chorar. Ela se olhava no espelho e se perguntava por que nada dava certo em sua vida. Não sabia definir o que era amor, o que era ódio, não sabia qual dos dois sentia por ele naquele momento. Seu corpo seminu, que acabara de provar o gosto do prazer, estava ainda com as marcas do sexo.
                Meu Deus, como é difícil amar. Que misto de sentimentos em um só coração! Não quero mais ele em minha vida. Quero o fim.
               O rapaz procurava esfriar a cabeça, procurava serenar os pensamentos. Um turbilhão de ideias passava pela sua mente. Ele não era capaz de apaziguar seu coração sem a ajuda dela, e achava erroneamente que ela não teria maturidade suficiente de entender um problema pelo qual passava e não podia lhe contar, não era fácil dizer. Finalmente uma lágrima rolou de seus olhos. Ele pegou a caixinha de joias que tinha no bolso, acariciou as alianças douradas que estavam dentro, examinou com cuidado seu nome e o dela gravados no interior de cada peça e voltou-a no bolso. Levantou-se, foi à varanda e ficou olhando as estrelas, perdido, procurando um jeito de dizer que a queria para ser sua esposa.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tempestades

               Por esses dias as nuvens voltaram a cobrir o céu. Os tons de cinza trazem-me ao passado onde, perplexo, percebo que converso novamente contigo. Essas tempestades sempre brotam assim. E tu sempre me foi referência, uma espécie de norte onde volto a me orientar para seguir em frente e poder continuar a tomar conta de nossa pequena. Lembra-te daquela tarde onde conversamos sobre o futuro? Onde juramos não nos perdermos em nós próprios, pois sempre somos nosso pior inimigo? Então querida... Estou precisando filosofar novamente contigo. O mundo anda tão diferente de quando estivemos juntos. Lembra-se do poema de Camões? Lembra-se da promessa? Nunca me esqueci dela... Hoje lembrei de novo do poema, já o guardei na surrada memória. É mais ou menos assim:

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

(Camões)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Coisas do Coração - FINAL


A chuva caía torrencialmente naquela manhã. Joana estava parada numa lanchonete da rodoviária tomando uma xícara de café distraída, pensando em Malbec. Como seria ele? Alto, baixo, moreno, louro? O que fariam depois que ele chegasse? Onde iriam? Até aquele momento ela não sabia onde arrumara coragem para ir até a rodoviária. Quando saiu de casa, suas pernas tremiam. Para engatar a primeira marcha no carro custaram-lhe longos segundos. De repente, surge na esquina um ônibus. Olha o nome da empresa gravada no ônibus e estremece. Era ele. O tempo que o ônibus gastou para contornar o canteiro e estacionar na plataforma parecia uma eternidade. Ela permaneceu dentro da lanchonete. Sentia-se protegida lá. Foi quando desceu do ônibus, um dos últimos a descer, um rapaz alto, moreno, cabelos curtos, bem aparados, mochila nas costas, pouca bagagem. Não sabia porque, mas sentia que era ele. Parado, ele olhou para os lados, coçou a cabeça e antes que ele desse um passo, ela surgiu na porta da lanchonete que distava no máximo 20 metros de onde o rapaz estava. Ambos se olharam então pela primeira vez. Foi algo que pareceu uma eternidade para eles. Os olhos fitaram-se mutuamente por segundos eternos. Partiu dele a iniciativa de caminhar em direção a ela. Foi então que aconteceu um abraço quente, apertado, entremeado de lágrimas. Não disseram nada por algum tempo. Até que, naturalmente, desenrolaram-se dos braços um do outro e ele disse oi. Ela respondeu com a voz embargada. Saíram rapidamente dali e foram para um hotel onde ele se hospedaria. No carro não disseram nada. No salão do hotel, enquanto tomavam café, conversavam como se fossem velhos conhecidos. Ele tinha todo um ritual para servir-se. Primeiro o pão. Integral e cortado em fatias. Depois o mel no pão. Finalizava servindo-se de uma xícara de chá. Não gostava de café. Enojava-lhe o gosto. Depois que ele se instalou no hotel, se despediram e marcaram de almoçar juntos num restaurante. Ela se foi. No caminho de casa cantarolava uma música que tocava no seu aparelho de CD. Era uma música antiga de Charles Aznavour, chamada Hier Encore. Estava alegre a ponto de explodir. Sentia-se uma garota de quinze anos. Na hora do almoço estava pontualmente parada na recepção do hotel vestida de forma sóbria e discreta. Ele desceu vestido de uma calça jeans, camisa pólo preta e sapatos pretos. Cumprimentaram-se com beijos na face e se foram. No caminho, ele começou a dizer a ela que aquele momento que estava vivendo era o mais especial da sua vida. Que estava encantado com ela, com o cheiro do seu perfume que caía perfeitamente nela. Que a imaginara justamente como ela era. Que isso tudo era coisa que ele não conseguia explicar apesar de tentar. Ela ouvia calada e trêmula. No restaurante, sentaram numa mesa reservada num canto. Era um ambiente requintado, elegantemente decorado. Enquanto o garçom não vinha beijaram-se pela primeira vez. Não foi roubado, simplesmente aconteceu. Esse beijo foi algo que tirou a respiração de Joana. A boca do rapaz, quente e fresca, devorava-lhe a língua com movimentos suaves, mas vigorosos. Não havia ninguém para vê-los naquela situação, por isso estavam a salvo. À chegada do garçom pediram Fetuccine a Parisiense. Quando o garçom perguntou o que beberiam, ela disse mais que depressa: qualquer vinho produzido com a uva Malbec. Assustou-se consigo mesma pela iniciativa. Ele deu um risinho despretensioso, mas não disse nada. Almoçaram conversando animadamente, com a alegria fazendo companhia à mesa, com o amor se consubstanciando. No ambiente tocava o Adágio de Albignoni e Malbec explicava a ela a história dessa obra prima do compositor clássico italiano. Falaram sobre vinhos também, porque era uma paixão de ambos.
Passaram a tarde juntos. A chuva continuava a cair em intervalos mais ou menos uniformes. Estavam num lugar ermo, onde os namorados iam para estarem mais a vontade. Tomaram chuva e se beijaram loucamente. Molhados. Resolveram por fim, embriagados pelo desejo, ir a um local mais confortável e discreto. Foram a um motel. Amaram-se fundidos num só corpo e num só espírito. Ele a tocava com a doçura de uma criança. É que há prazeres que se ouve com os sentidos e se vê com o toque das mãos, dos lábios. Ela bebia a inspiração do prazer dele. Suas ancas abrigavam as ritmadas estocadas de Malbec, e tinha ímpetos de sair dali voando, delirando, num misto de prazer e volúpia. Ao tomarem garrafas inteiras de vinho, sentiram por momentos que se viam num mundo diferente, com a contagem do tempo diferente, com as cores mais vivas, com os sentidos mais aguçados.
E assim foi o fim de semana. Como que em lua-de-mel, aproveitaram cada segundo de que dispunham. Viveram intensamente. Ardentemente.
E foi assim que fiquei sabendo o que eles viveram. E não me perguntem o que aconteceu com eles depois. O que sei, baseado em confissões e depoimentos de pessoas que ela conhecera, Suzana inclusive, foi que eles se amaram longo tempo. E Joana descobrira o nome real de Malbec, mas esse nome não tive notícia de qual era. Quem sabe a história ainda esteja acontecendo. Sim, porque o amor é atemporal pelo fato de ser eterno. Onde estão agora? Essa resposta fica no ar.

sábado, 8 de setembro de 2012

O segredo de Amanda


O corpo lânguido e suado suporta o peso do homem. Seus cabelos colam na face como resultado do suor descompassado que corre pela fronte. O ápice chegara mais uma vez e ela treme demoradamente o corpo e goza em silêncio. Ele continua as estocadas vigorosamente porque seu clímax ainda demora. Enquanto isso Amanda vai abrindo seus olhos da alma para novas nuances que nunca havia percebido. São apenas breves momentos em que o espírito consegue ver coisas que nunca cogitaria se não fossem as fortíssimas vibrações de um orgasmo. Ela vê finos fios de luz percorrendo-lhe o corpo e sumindo pelo teto, penetrando-o. Ela se sente como a levitar pelo quarto sem peso, sem gravidade. São raríssimos esses momentos e Amanda agradecia seu homem em pensamento por proporcionar-lhe tamanho prazer. Os sentimentos de Amanda são o segredo para se vislumbrar visões raríssimas envolvendo a energia espiritual. Os dois sabiam como celebrar esse ritual porque ele havia aprendido e a ensinara. Os resultados somente aparecem se todo o ato for feito da forma rigorosíssima com a qual deve acontecer e envolver um forte sentimento de comunhão dos dois corpos. Fundiam-se num só corpo praticamente. São mistérios que eles apenas sabiam fazer acontecer, mas não tinham ideia, nem de longe, de como explicar. O transe em que Amanda mergulhara permitia que ela vivesse os dias como uma pluma, que seu sorriso explodisse no seu rosto e a felicidade tomasse conta de sua vida como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo. Ela sabia muito bem que o que sentia quando entrava em transe era a fonte de sua energia de viver. A magia que ela vivia era seu combustível infindável e secreto. Ela passou a agradecer à mãe Lua por tudo o que lhe acontecia de bom e mesmo de ruim.
 Divindades são fontes positivas, são usinas do bem. E Deus está imenso em cada partícula desse imenso Universo, pensava ela. Acreditar tendo uma fortíssima razão é mérito para poucos. Amanda era dona de um segredo e ela amava esse fato. Mal via a hora de estar com ele novamente para poder visitar aquele mundo repleto de cores radiantes, de luzes tênues ou brilhantes, mas sempre suaves e convidativas a mais uma experiência.

Dissensões


Por mais que tenhamos a convicção que uma vida, ou um sentimento possam não ser os mesmos depois de decorrido o tempo, ainda precisamos nos certificar disso muitas vezes. É que uma vida vale um sentimento, e não estou querendo diminuir o valor de uma vida, mas sim potencializar a dimensão dos sentimentos. Tenho dito aqui no blog que amor e paixão para mim tem significados um pouco distintos da maioria das pessoas desse pequeno planeta. O amor pode acontecer numa noite (o ato) e paixão pode acontecer durante toda uma vida. Não quero aqui acalentar um debate filosófico sobre um sentimento e outro, pois o propósito do blog é uma leitura leve e sugestiva. A única coisa que reafirmo é que o amor pode acontecer inúmeras vezes durante a vida de uma pessoa e não apenas uma única. Dissensões apenas. Amigos podem divergir as opiniões e continuarem amigos. Com isso, ambos crescem e conhecem pontos de vista diferentes.