A chuva caía
torrencialmente naquela manhã. Joana estava parada numa lanchonete da
rodoviária tomando uma xícara de café distraída, pensando em Malbec. Como seria
ele? Alto, baixo, moreno, louro? O que fariam depois que ele chegasse? Onde
iriam? Até aquele momento ela não sabia onde arrumara coragem para ir até a
rodoviária. Quando saiu de casa, suas pernas tremiam. Para engatar a primeira
marcha no carro custaram-lhe longos segundos. De repente, surge na esquina um
ônibus. Olha o nome da empresa gravada no ônibus e estremece. Era ele. O tempo
que o ônibus gastou para contornar o canteiro e estacionar na plataforma
parecia uma eternidade. Ela permaneceu dentro da lanchonete. Sentia-se
protegida lá. Foi quando desceu do ônibus, um dos últimos a descer, um rapaz
alto, moreno, cabelos curtos, bem aparados, mochila nas costas, pouca bagagem.
Não sabia porque, mas sentia que era ele. Parado, ele olhou para os lados,
coçou a cabeça e antes que ele desse um passo, ela surgiu na porta da
lanchonete que distava no máximo 20 metros de onde o rapaz estava. Ambos se
olharam então pela primeira vez. Foi algo que pareceu uma eternidade para eles.
Os olhos fitaram-se mutuamente por segundos eternos. Partiu dele a iniciativa
de caminhar em direção a ela. Foi então que aconteceu um abraço quente,
apertado, entremeado de lágrimas. Não disseram nada por algum tempo. Até que,
naturalmente, desenrolaram-se dos braços um do outro e ele disse oi. Ela
respondeu com a voz embargada. Saíram rapidamente dali e foram para um hotel
onde ele se hospedaria. No carro não disseram nada. No salão do hotel, enquanto
tomavam café, conversavam como se fossem velhos conhecidos. Ele tinha todo um
ritual para servir-se. Primeiro o pão. Integral e cortado em fatias. Depois o
mel no pão. Finalizava servindo-se de uma xícara de chá. Não gostava de café.
Enojava-lhe o gosto. Depois que ele se instalou no hotel, se despediram e
marcaram de almoçar juntos num restaurante. Ela se foi. No caminho de casa
cantarolava uma música que tocava no seu aparelho de CD. Era uma música antiga
de Charles Aznavour, chamada Hier Encore. Estava alegre a ponto de explodir.
Sentia-se uma garota de quinze anos. Na hora do almoço estava pontualmente
parada na recepção do hotel vestida de forma sóbria e discreta. Ele desceu vestido
de uma calça jeans, camisa pólo preta e sapatos pretos. Cumprimentaram-se com
beijos na face e se foram. No caminho, ele começou a dizer a ela que aquele
momento que estava vivendo era o mais especial da sua vida. Que estava
encantado com ela, com o cheiro do seu perfume que caía perfeitamente nela. Que
a imaginara justamente como ela era. Que isso tudo era coisa que ele não
conseguia explicar apesar de tentar. Ela ouvia calada e trêmula. No
restaurante, sentaram numa mesa reservada num canto. Era um ambiente
requintado, elegantemente decorado. Enquanto o garçom não vinha beijaram-se
pela primeira vez. Não foi roubado, simplesmente aconteceu. Esse beijo foi algo
que tirou a respiração de Joana. A boca do rapaz, quente e fresca, devorava-lhe
a língua com movimentos suaves, mas vigorosos. Não havia ninguém para vê-los
naquela situação, por isso estavam a salvo. À chegada do garçom pediram
Fetuccine a Parisiense. Quando o garçom perguntou o que beberiam, ela disse
mais que depressa: qualquer vinho produzido com a uva Malbec. Assustou-se
consigo mesma pela iniciativa. Ele deu um risinho despretensioso, mas não disse
nada. Almoçaram conversando animadamente, com a alegria fazendo companhia à
mesa, com o amor se consubstanciando. No ambiente tocava o Adágio de Albignoni
e Malbec explicava a ela a história dessa obra prima do compositor clássico
italiano. Falaram sobre vinhos também, porque era uma paixão de ambos.
Passaram a
tarde juntos. A chuva continuava a cair em intervalos mais ou menos uniformes.
Estavam num lugar ermo, onde os namorados iam para estarem mais a vontade.
Tomaram chuva e se beijaram loucamente. Molhados. Resolveram por fim,
embriagados pelo desejo, ir a um local mais confortável e discreto. Foram a um
motel. Amaram-se fundidos num só corpo e num só espírito. Ele a tocava com a
doçura de uma criança. É que há prazeres que se ouve com os sentidos e se vê
com o toque das mãos, dos lábios. Ela bebia a inspiração do prazer dele. Suas
ancas abrigavam as ritmadas estocadas de Malbec, e tinha ímpetos de sair dali
voando, delirando, num misto de prazer e volúpia. Ao tomarem garrafas inteiras
de vinho, sentiram por momentos que se viam num mundo diferente, com a contagem
do tempo diferente, com as cores mais vivas, com os sentidos mais aguçados.
E assim foi o
fim de semana. Como que em lua-de-mel, aproveitaram cada segundo de que
dispunham. Viveram intensamente. Ardentemente.
E foi assim
que fiquei sabendo o que eles viveram. E não me perguntem o que aconteceu com
eles depois. O que sei, baseado em confissões e depoimentos de pessoas que ela
conhecera, Suzana inclusive, foi que eles se amaram longo tempo. E Joana
descobrira o nome real de Malbec, mas esse nome não tive notícia de qual era. Quem
sabe a história ainda esteja acontecendo. Sim, porque o amor é atemporal pelo
fato de ser eterno. Onde estão agora? Essa resposta fica no ar.
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