Fernando estava trabalhando.
Dalila, sua namorada, recebeu a visita de uma amiga de infância naquela noite.
Ambas se encontravam esporadicamente e desde a última vez que se viram, passara-se
2 anos. Débora, uma bonita mulher de 22 anos de idade, havia rompido com o
namorado naquele dia, pela manhã e então foi à casa de Dalila para se amparar.
Coisa de amigas. Dalila a recebeu na porta e convidou-a a ir diretamente ao
quarto, já que estava fazendo as unhas e que Débora era “de casa”. Serviu um
delicioso suco natural de manga gelado e foi ouvir a amiga enquanto terminava
as unhas. Conversaram longamente. Débora falou de seu namoro, do fato que
motivou o fim da relação, dos seus medos, de suas dúvidas. Vinha aprendendo com
a vida há vários anos, mas em certos momentos parecia que não assimilara nada,
porque frequentemente deparava-se com situações inesperadas e ainda não
vividas, as quais faziam de Débora uma mulher mais experimentada, mais dona de
si e menos uma mera parte da imensa massa de pessoas que já não se espantava
com o amor, com os pequenos momentos de alegria, com a paz que tanto a
contagiava. Mas, infelizmente cada aprendizado era precedido por certa dose de
sofrimento. Não lhe parecia justo sofrer, muito menos por conta do fim de seu
namoro.
Dalila tinha 25 anos, havia saído
de casa com 19 e foi morar num pequeno quarto e sala no centro da cidade. Havia
aprendido muito desde que ficou “sozinha” no mundo. Parecia haver amadurecido
dez anos em dois. Dona de uma pele morena, ela tinha um semblante belo e
sereno. Suas amigas ambicionavam seu comportamento equilibrado, centrado,
localizado sobre os eixos. Talvez fosse por isso que vinham falar-lhe quando as
coisas não iam bem, e vez por outra, ainda emprestava-lhes algum dinheiro. Ela
não se aborrecia caso alguma delas não a pagasse. Ela tinha seus métodos
práticos, eficientes e um jeito comedido de alcançar seus objetivos. Cobrar os
empréstimos “esquecidos” era um deles.
A conversa corria longa e em
alguns momentos mais graves havia uma ou outra troca de abraços fraternos,
alternados por palavras confortantes. Foi então que Débora tocou a perna
desnuda de Dalila, que vestia apenas uma camisa do namorado. O toque foi
rápido, mas despertou um estranho desejo em Dalila. Débora percebeu seu olhar.
Um estranho sentimento apossou-se das duas, mas elas mantiveram o comportamento
cordial e ameno, como que numa tentativa de se desculparem mutuamente e se
esquecerem daquele fato embaraçoso. A conversa continuou num tom menos
impessoal. Parecia que alguma peça de um quebra-cabeças completo soltara-se
pela força de uma repentina rajada de vento. Os olhares trocados estavam mais
quentes e penetrantes, mas as palavras ditas davam a entender a quem tivesse a
oportunidade de ouvi-las, que o assunto debatido era sério e merecia respeito e
atenção. Quando Dalila foi colocar o copo que havia tomado o suco sobre o
criado-mudo, tocou o cotovelo, sem querer, no seio de Débora que discretamente
apertou-o contra o cotovelo da amiga, num ato inconsciente. Então o clima pesou
definitivamente. Não houve remédio a não ser Débora ir embora.
À hora da despedida, ambas se beijaram na face,
mas suas bocas chegaram a se tocar. Nem houve tempo para que cada uma das duas
se espantasse com o retrato do desejo insculpido em seus rostos que, como
que por obra de um autor sobejamente laureado, foi permitido que aquele
subitâneo desejo inédito chegasse para fazê-las saber que suas experiências
vividas até ali não eram suficientes para definir ou dimensionar o calibre do
que estava acontecendo.
[continua]
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