quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Incidente com Dalila - I

Fernando estava trabalhando. Dalila, sua namorada, recebeu a visita de uma amiga de infância naquela noite. Ambas se encontravam esporadicamente e desde a última vez que se viram, passara-se 2 anos. Débora, uma bonita mulher de 22 anos de idade, havia rompido com o namorado naquele dia, pela manhã e então foi à casa de Dalila para se amparar. Coisa de amigas. Dalila a recebeu na porta e convidou-a a ir diretamente ao quarto, já que estava fazendo as unhas e que Débora era “de casa”. Serviu um delicioso suco natural de manga gelado e foi ouvir a amiga enquanto terminava as unhas. Conversaram longamente. Débora falou de seu namoro, do fato que motivou o fim da relação, dos seus medos, de suas dúvidas. Vinha aprendendo com a vida há vários anos, mas em certos momentos parecia que não assimilara nada, porque frequentemente deparava-se com situações inesperadas e ainda não vividas, as quais faziam de Débora uma mulher mais experimentada, mais dona de si e menos uma mera parte da imensa massa de pessoas que já não se espantava com o amor, com os pequenos momentos de alegria, com a paz que tanto a contagiava. Mas, infelizmente cada aprendizado era precedido por certa dose de sofrimento. Não lhe parecia justo sofrer, muito menos por conta do fim de seu namoro.

Dalila tinha 25 anos, havia saído de casa com 19 e foi morar num pequeno quarto e sala no centro da cidade. Havia aprendido muito desde que ficou “sozinha” no mundo. Parecia haver amadurecido dez anos em dois. Dona de uma pele morena, ela tinha um semblante belo e sereno. Suas amigas ambicionavam seu comportamento equilibrado, centrado, localizado sobre os eixos. Talvez fosse por isso que vinham falar-lhe quando as coisas não iam bem, e vez por outra, ainda emprestava-lhes algum dinheiro. Ela não se aborrecia caso alguma delas não a pagasse. Ela tinha seus métodos práticos, eficientes e um jeito comedido de alcançar seus objetivos. Cobrar os empréstimos “esquecidos” era um deles.

A conversa corria longa e em alguns momentos mais graves havia uma ou outra troca de abraços fraternos, alternados por palavras confortantes. Foi então que Débora tocou a perna desnuda de Dalila, que vestia apenas uma camisa do namorado. O toque foi rápido, mas despertou um estranho desejo em Dalila. Débora percebeu seu olhar. Um estranho sentimento apossou-se das duas, mas elas mantiveram o comportamento cordial e ameno, como que numa tentativa de se desculparem mutuamente e se esquecerem daquele fato embaraçoso. A conversa continuou num tom menos impessoal. Parecia que alguma peça de um quebra-cabeças completo soltara-se pela força de uma repentina rajada de vento. Os olhares trocados estavam mais quentes e penetrantes, mas as palavras ditas davam a entender a quem tivesse a oportunidade de ouvi-las, que o assunto debatido era sério e merecia respeito e atenção. Quando Dalila foi colocar o copo que havia tomado o suco sobre o criado-mudo, tocou o cotovelo, sem querer, no seio de Débora que discretamente apertou-o contra o cotovelo da amiga, num ato inconsciente. Então o clima pesou definitivamente. Não houve remédio a não ser Débora ir embora.

À hora da despedida, ambas se beijaram na face, mas suas bocas chegaram a se tocar. Nem houve tempo para que cada uma das duas se espantasse com o retrato do desejo insculpido em seus rostos que, como que por obra de um autor sobejamente laureado, foi permitido que aquele subitâneo desejo inédito chegasse para fazê-las saber que suas experiências vividas até ali não eram suficientes para definir ou dimensionar o calibre do que estava acontecendo.

[continua]

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