Houve uma época em minha vida em
que eu sabia ainda menos sobre tudo. Eu saía todas as manhãs muito cedo,
caminhava até o trabalho que distava alguns poucos quilômetros de casa. Por
vezes ia de carro, mas gostava mesmo é de ir caminhando, pensar enquanto
caminho faz bem para mim. No fim da tarde, ao voltar para casa, passava no
mesmo supermercado para comprar algo que estivesse faltando. Naquele dia, eu
estava parado numa enorme fila do açougue e percebi que a pessoa que estava
atrás de mim respirava com certo nervosismo, mudava a posição das pernas
inúmeras vezes, o que denotava para quem estivesse ali que ela tinha pressa em ser
atendida logo. Voltei-me discretamente para ver quem estava tão impaciente
daquele jeito e me deparo com uma mulher com seus 25 anos, pele levemente
morena, olhos castanhos claros, cabelos negros, longos, lindos, cuidadosamente
escovados, os quais caíam até sua cintura. Ela notou que sua impaciência havia
despertado meu interesse em saber de onde procedia. Então ela deu um ligeiro
sorriso e reclamou dos funcionários que atendiam aos clientes que nos precedia
na imensa fila. Eu concordei com a cabeça e retribuí o sorriso.
O cheiro de sua colônia tinha
base amadeirada, combinava com ela. A moça trajava um vestido bem leve, até
pouco acima do joelho – decente como se diz por aí. Calçava uma sandália bem
delicada, que combinava com sua bolsa e usava uma fina corrente prateada no
pescoço, mas não pude notar o detalhe do pingente naquele primeiro momento.
De repente seu telefone celular
toca, e ela revira sua bolsa, e certamente o interlocutor esperou vários toques
até ela atender por fim: alô? Sim é a Marcela. Apesar de ela falar baixo, eu
não resisti e prestei atenção à sua conversa. Deduzi que ela falava com uma
mulher, uma amiga talvez, e ela esperava por Marcela em algum lugar.
A conversa entre as duas não
demorou dois minutos. Marcela desligou o telefone e o reteve nas mãos. Como sua
impaciência continuava, disse, por fim, chamando-a pelo nome: Marcela, acho que
não posso te ajudar muito, mas se você quiser, pode tomar meu lugar na fila.
Ela me olhou tendo seus olhos denunciado certa surpresa, me agradeceu e aceitou
a proposta. Trocamos de lugar. Como eu havia sido solícito, e adianto de
antemão, sem segundas intenções, passamos a conversar sobre a fila, o preço da
carne, enfim, assuntos corriqueiros. Devo confessar também que não queria mais
que a fila andasse, porque Marcela tinha uma voz pouco rouca, e um modo de
olhar diferente quando me olhava. Era uma companhia de fila muito agradável.
Não resisti à tentação e perguntei a razão daquela pressa toda. Ela respondeu
que precisava ir ver sua amiga que estava para se casar e havia se empenhado
nos preparativos de uma festa surpresa para ela. Eram amigas de infância,
estudaram juntas e tinham apostado quem se casaria primeiro. Sorri com a aposta
feita e disse imediatamente: então você perdeu a aposta? Ela sorriu de volta,
me olhou nos olhos e disse: é verdade, hoje em dia homem sério é raro como diamante.
E ficamos conversando a partir de então sobre assuntos do coração. Imagino que
Marcela deva ter se interessado pela forma como eu pensava o amor já naquela época,
como via uma relação a dois, pois notei que sua pressa havia se diluído quase
que completamente. Na verdade, fui sincero, e o fato de tê-la despertado o
interesse, foi uma consequência natural e espontânea e não uma razão em si.
Dois atendentes ficaram livres
simultaneamente e fomos atendidos ao mesmo tempo. Trocamos rápidos olhares
enquanto escolhíamos o que queríamos comprar e percebi que ela havia se
interessado por minha pessoa, de fato. Terminei de comprar minhas coisas antes
dela, me despedi dela com um gesto de cabeça e fui caminhando tranquilamente
para o caixa onde aguardava minha vez em nova fila, menor que a do açougue, mas
ainda de um tamanho que causava náuseas em quem tinha pressa.
Pouco depois senti um perfume
amadeirado no ar, e instantaneamente ouvi um “oi” vindo de trás de mim. Olhei
fingindo naturalidade e deparei com um sorriso lindo, denunciando dentes alvos
e perfeitamente perfilados. Era ela. Fiz um comentário descontraído sobre
estarmos novamente na mesma fila e ela achou graça. Conversamos novamente, mas
dessa vez havia algo diferente no ar, e é preciso ter certa sensibilidade,
certo feeling para notar isso.
Conversamos inclusive durante nossa vez de passar as compras pelo leitor ótico,
o que fez a operadora do caixa pensar que estávamos juntos. Brinquei com a
operadora: ainda não. Notei que Marcela sorriu timidamente e olhou para baixo.
E quem sabe interpretar feições, sabe que isso denuncia uma aprovação contida
acerca do que foi dito.
Já com as sacolas na mão, perguntei
onde estava o carro dela, mas ela me disse que seu carro estava na oficina.
Ofereci carona dando o pretexto de que iria ajudar na sua pressa. Ela aceitou
prontamente. Deixei-a em sua casa, e selamos a nova amizade com dois beijos no
rosto quando nos despedimos. Ah, e seu número de telefone foi anotado no canto
do recibo da compra. Em outro post conto como me envolvi por pouco tempo, mas
intensamente com essa menina que tinha uma linda história de vida, mas uma
triste sina na vida.
Beijo quente.
Apollo.