A viagem a Brasília transcorreu sem anormalidades. Eduardo e
Sofia tiveram alguns dias de muita volúpia e prazer e um companheirismo que não
se vê num encontro entre cliente e michê. O rapaz voltou à sua cidade e pôs a
vida a caminhar sobre os trilhos “como tem de ser”, pensava ele. Eduardo não
era o tipo de amante de aluguel tão visto por aí. Os michês, cotidianamente,
saem com homens. Um espectro bem grande de homens procuram prazer com outro
homem. Contratam michês para darem vazão a desejos inconfessáveis a suas
esposas e a seus filhos. Alguns casamentos aparentemente sólidos são conduzidos com
atitudes secretas por parte do pai de família. A sociedade, muito conservadora
em alguns aspectos, denigre a reputação de homens que têm prazer em praticar
sexo com outro homem. Eduardo estava certo de que não atenderia a esse segmento
de clientes, mas não guardava reservas contra homossexuais, apenas não se
excitava com a situação de ter de transar com outro homem. Certa feita, em
atendimento a uma mulher que sonhava ser possuída na frente do marido, Eduardo
percebeu, durante o ato sexual, que o marido, “distraidamente” tocou seu pênis.
Como Eduardo não demonstrou ter se importado com aquilo, mas por uma questão de
ética profissional, o marido continuou sua empreitada até que foi impedido, com
muito tato, por Eduardo. Aquilo não trazia prazer a ele e dali por diante ele
jurara para si próprio que nunca atenderia clientes masculinos.
Eduardo tirara um dia todo de folga. Havia chegado de viagem
as 9 da noite e dormiu pesadamente sem mesmo ter jantado. Acordou cedo, fez seu
desjejum, com apetite e foi correr. Ele tinha por hábito fazer suas atividades
físicas em uma estrada de terra batida que passava por detrás do bairro em que
morava. Estava naquele lindo lugar novamente; peito arfante, passos largos,
relativa paz habitando seu ser. Observava a paisagem bucólica de zona rural, os pastos de gado que margeavam a estradinha e
sentia fortes saudades dos tempos idos em que corria por aqueles mesmos pastos
despreocupadamente, atrás de seu cachorro vira-latas, protegido pela inocência
da criança de 10 anos que ele era naquela época.
Ao chegar em casa, tomou um rápido banho e saiu de novo para
ir às compras. Tanto a geladeira como a despensa estavam vazias. No almoço,
preparou almôndegas recheadas ao molho. Comprou um vinho caro e pôs a mesa com
requinte. Ele sempre teve alterações inopinadas em certas condutas. Tinha dias
que ele esquentava o almoço do dia anterior, mas em outros dias gostava de
almoçar como se estivesse num caro restaurante. Degustou vorazmente o almoço;
sozinho como sempre.
À tarde, Eduardo se dedicou a organizar seu closed, que
demandava urgentes cuidados na organização e a ouvir boa música. À noite, saiu com amigos. Foi
a um movimentado bar de sua cidadezinha de interior. Um caipira que ganhava a
vida vendendo amor a mulheres em crise sentimental estava ali; cercado de
amigos que nem suspeitavam de onde vinha 80% da renda que o mantinha.
No outro dia trabalharia normalmente em seu emprego
convencional. Incrivelmente não havia nenhum compromisso agendado com suas clientes, naquela semana. Ele disporia
de alguns dias para ser o mesmo de outrora. Mas seria apenas uma apresentação
teatral dele para ele mesmo assistir. Em seu íntimo, nunca mais seria o mesmo
de outras épocas. As tragédias pessoais que testemunhara em seus encontros profissionais
mudaram-no peremptoriamente. No entanto, era preciso continuar a mitigar os
conflitos de suas clientes. Sentia-se orgulhoso por ter contribuído com que
algumas de suas clientes voltassem a acreditar num amor que não se condicionava
a trocar dinheiro por carinho. Esse é o caminho ideal – pensava ele. O amor não
pode se deturpar em trocas financeiras, mas em alguns casos, é o caminho menos
amargo para se acreditar que existem pessoas, mesmo em profissões que não inspiram
nenhuma confiança, que se dedicam a ajudar clientes, a ouvi-las e fazer com que
seu programa fosse, em muitos casos, apenas constituído de conversas sinceras,
esclarecimentos que ele acreditava ser o caminho certo. Em muitas vezes,
Eduardo se recusava a transar com a cliente mesmo correndo o risco de tê-la excluída
de sua carteira de contatos profissionais, porque acreditava que o ato sexual
seria mais danoso que o fato de ela acreditar que o amor nunca existiu de
verdade. Sou um psicólogo diferente – pensava Eduardo. E de certa forma era.
Talvez espalhar flores em pântanos que já foram bosques florescentes fosse a missão
de Eduardo na Terra.
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