segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Breve hiato nas atividades de Eduardo

A viagem a Brasília transcorreu sem anormalidades. Eduardo e Sofia tiveram alguns dias de muita volúpia e prazer e um companheirismo que não se vê num encontro entre cliente e michê. O rapaz voltou à sua cidade e pôs a vida a caminhar sobre os trilhos “como tem de ser”, pensava ele. Eduardo não era o tipo de amante de aluguel tão visto por aí. Os michês, cotidianamente, saem com homens. Um espectro bem grande de homens procuram prazer com outro homem. Contratam michês para darem vazão a desejos inconfessáveis a suas esposas e a seus filhos. Alguns casamentos aparentemente sólidos são conduzidos com atitudes secretas por parte do pai de família. A sociedade, muito conservadora em alguns aspectos, denigre a reputação de homens que têm prazer em praticar sexo com outro homem. Eduardo estava certo de que não atenderia a esse segmento de clientes, mas não guardava reservas contra homossexuais, apenas não se excitava com a situação de ter de transar com outro homem. Certa feita, em atendimento a uma mulher que sonhava ser possuída na frente do marido, Eduardo percebeu, durante o ato sexual, que o marido, “distraidamente” tocou seu pênis. Como Eduardo não demonstrou ter se importado com aquilo, mas por uma questão de ética profissional, o marido continuou sua empreitada até que foi impedido, com muito tato, por Eduardo. Aquilo não trazia prazer a ele e dali por diante ele jurara para si próprio que nunca atenderia clientes masculinos.

Eduardo tirara um dia todo de folga. Havia chegado de viagem as 9 da noite e dormiu pesadamente sem mesmo ter jantado. Acordou cedo, fez seu desjejum, com apetite e foi correr. Ele tinha por hábito fazer suas atividades físicas em uma estrada de terra batida que passava por detrás do bairro em que morava. Estava naquele lindo lugar novamente; peito arfante, passos largos, relativa paz habitando seu ser. Observava a paisagem bucólica de zona rural, os pastos de gado que margeavam a estradinha e sentia fortes saudades dos tempos idos em que corria por aqueles mesmos pastos despreocupadamente, atrás de seu cachorro vira-latas, protegido pela inocência da criança de 10 anos que ele era naquela época.

Ao chegar em casa, tomou um rápido banho e saiu de novo para ir às compras. Tanto a geladeira como a despensa estavam vazias. No almoço, preparou almôndegas recheadas ao molho. Comprou um vinho caro e pôs a mesa com requinte. Ele sempre teve alterações inopinadas em certas condutas. Tinha dias que ele esquentava o almoço do dia anterior, mas em outros dias gostava de almoçar como se estivesse num caro restaurante. Degustou vorazmente o almoço; sozinho como sempre.

À tarde, Eduardo se dedicou a organizar seu closed, que demandava urgentes cuidados na organização e a ouvir boa música. À noite, saiu com amigos. Foi a um movimentado bar de sua cidadezinha de interior. Um caipira que ganhava a vida vendendo amor a mulheres em crise sentimental estava ali; cercado de amigos que nem suspeitavam de onde vinha 80% da renda que o mantinha.

No outro dia trabalharia normalmente em seu emprego convencional. Incrivelmente não havia nenhum compromisso agendado com suas clientes, naquela semana. Ele disporia de alguns dias para ser o mesmo de outrora. Mas seria apenas uma apresentação teatral dele para ele mesmo assistir. Em seu íntimo, nunca mais seria o mesmo de outras épocas. As tragédias pessoais que testemunhara em seus encontros profissionais mudaram-no peremptoriamente. No entanto, era preciso continuar a mitigar os conflitos de suas clientes. Sentia-se orgulhoso por ter contribuído com que algumas de suas clientes voltassem a acreditar num amor que não se condicionava a trocar dinheiro por carinho. Esse é o caminho ideal – pensava ele. O amor não pode se deturpar em trocas financeiras, mas em alguns casos, é o caminho menos amargo para se acreditar que existem pessoas, mesmo em profissões que não inspiram nenhuma confiança, que se dedicam a ajudar clientes, a ouvi-las e fazer com que seu programa fosse, em muitos casos, apenas constituído de conversas sinceras, esclarecimentos que ele acreditava ser o caminho certo. Em muitas vezes, Eduardo se recusava a transar com a cliente mesmo correndo o risco de tê-la excluída de sua carteira de contatos profissionais, porque acreditava que o ato sexual seria mais danoso que o fato de ela acreditar que o amor nunca existiu de verdade. Sou um psicólogo diferente – pensava Eduardo. E de certa forma era. Talvez espalhar flores em pântanos que já foram bosques florescentes fosse a missão de Eduardo na Terra.


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