quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Pensamentos conflitantes de um michê

Fazia apenas vinte minutos que Eduardo havia chegado em sua casa. Ao entrar pela porta percebeu que o ar lá de dentro cheirava a casa fechada. O ar apodrecia quando inalado. Também pudera, ele estava há duas semanas em viagem. Ele abriu todas as janelas e ligou o som da sala: Jacques Breu iniciava a emissão no ar das ondas melódicas de uma de suas canções antigas. Ele havia comprado um prato desses congelados de caixinha para aquecer no microondas; coisa prática para quem não tem tempo para nada. Havia ainda seu trabalho formal. Ele teria que ficar pelo menos uma semana sem se ausentar e sem ter que pedir para que colegas o substituíssem em suas funções profissionais.

Sem dúvida nenhuma a vida de Eduardo entrava num vórtice sem rumo, os acontecimentos se avolumavam, seus pensamentos dificilmente se focavam nos episódios mais urgentes. Eduardo decidira que no outro dia iria dedicar-se a um de seus hobbies para tentar se aproximar novamente do velho Eduardo que já deixava saudades. Era um estranho paradoxo: ele vivia uma situação financeira tranquila, comprara à vista seu apartamento, uma casa de campo e o carro que sempre sonhara. Em contrapartida, a natureza do seu trabalho exigia uma dedicação ferrenha, viagens, compromissos sociais, sexo com mulheres que não amava. Mas esse trabalho não seria uma atividade que todos os homens sonhariam em ter? Transar, passear, viajar, conhecer novos lugares, tudo isso não era o sonho de boa parte dos homens? Sim, tudo o que produz prazer atrai as vontades humanas, mas assim que se começa a trilhar o doce caminho do prazer, percebe-se que as consequências de se ter tanto oferecendo tão pouco são amargas e aspérrimas.

Eduardo precisava se concentrar, entender que, como toda profissão, a sua também tinha espinhos no caminho. Precisava entender que os problemas são ferramentas úteis para a evolução humana, assim como o mar bravio é fundamental para que o navegador tenha firmeza na condução do leme. Talvez sua missão fosse semear a esperança nos corações dilacerados por acontecimentos pretéritos. Ele entendia que acender paixões humanas era um caminho para esquecer que os corações não podem ficar empedernidos para sempre; é preciso se entregar ao amor, é preciso apostar mesmo que se perca.

O celular de Eduardo tocava insistentemente, enquanto Eduardo refletia olhando para o vazio enquanto um prato de massa recém-aquecida no microondas, voltava a esfriar diante do rapaz.

- Alô?

- Willian?

- Quem gostaria?

- Sofia, de Brasília.

Eduardo sorriu tristemente. Sofia havia sido marcada por uma tragédia familiar e encontrava em seus braços o bálsamo para suas aflições. Um marido morto em acidente, um filho perdido para a leucemia. A moça, ainda na flor da idade, era uma alma carente e frágil e talvez fosse dela um dos dardos que martelavam o coração do michê arrependido por acender esperanças sem ter a solução para tanto amor que se misturava ao interesse financeiro. Ela não conseguia recomeçar, estava sem direção definida, assim como a maioria das clientes. Buscava no sexo carinhoso uma imediata anestesia que durava poucos dias.

- Tudo bem, Sofia?

- Só se você vier logo...

- Quando?

- O mais breve. Sei que tens outras como eu.

- Preciso de uns dias. Volta a me ligar?

- Se é assim...

- Domingo estou em Brasília.

Eduardo pôde notar que a moça sorriu satisfeita.


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