sexta-feira, 6 de abril de 2012

Uma história de carinho


             Os contos que ora colo nestas páginas, todos até agora, foram acontecidos de fato, ou saíram de meus devaneios [não se sabe ao certo]. O fato é que são de datas pretéritas em sua totalidade. O que buscamos na memória nos leva novamente aos dias em que sucederam. A viagem pessoal de cada um é fruto dos odores, das sensações, dos sabores experimentados naquele determinado momento. O tempo passado entre o acontecimento [ou elucubração] e o presente derrama manchas de tinta sobre os fatos e assim torna-os não tão fiéis como poderiam ser caso tivessem acontecido um dia antes. Mesmo assim ouso afirmar que meus transes passados estão muito sedimentados na memória por terem envolvido sentimentos, volúpia, êxtase em sua expressão maior. O que narro aqui hoje é recente, recente demais.
         Na noite passada recebi uma visita muito especial. Fernanda! Não a via há muito tempo. Como que por encanto a campainha tocou e era ela. Cabelos louros, compridos até a cintura. Olhos faiscantes e olhar penetrante. Seu perfume era amadeirado e marcante. Olhou-me com o verde dos olhos e sorriu tristemente dizendo oi. Surpreso com a visita inesperada, respondi-lhe a saudação e convidei-a para entrar.
         Fernanda é dessas mulheres que não se esquece mesmo que se passem mil anos. Conhecemo-nos há mais de dez anos num baile de formatura. Ela estava acompanhando o irmão, e eu, uma amiga. Trocamos olhares compridos e lá pelas tantas, estimulados pelo álcool servido regularmente conversamos como amigos de décadas. Finalizamos nossa noite no apartamento de Fernanda, bebendo, rindo, fazendo amor. Namoramos por dois anos. Fomos cúmplices de muitos momentos só nossos. Loucuras de amor, confidências muito íntimas e muito particulares. Fomos o que se pode dizer duas almas gêmeas. Se tivéssemos a maturidade de hoje estaríamos ainda juntos. A razão que nos afastou foi algo besta e infantil.
         Fernanda entrou, sentou-se no sofá e nos olhamos em silêncio. Fui até ela e dei-lhe um abraço apertado e demorado.

           - Que saudade de você, Nanda.
           - Que falta senti de você por todo esse tempo.

Ainda abraçados, Fernanda disse-me que perdera o pai dois dias antes e por isso resolveu procurar-me. Só eu saberia o que dizer, como lavar com bálsamo sua ferida que sangrava. Ela precisava de cuidado e carinho. Conversei com ela longamente sobre o que penso da vida, da morte, o que nos acontece depois da passagem dessa vida para a outra. Tudo o que disse foi baseado no que constituí como verdade inabalável ao meu espírito. Tenho essas premissas que sigo ortodoxamente e vivo meus dias apoiado nelas. Fernanda, atenta, bebia cada uma de minhas palavras e ora chorava, ora apenas me olhava.
Quando ela se acalmou um pouco, tirei seus sapatos, deitei-a no sofá, fui à cozinha, preparei-lhe um lanche leve, pois ela me dissera que não comia nada há dois dias. Trouxe um suco de pêra com o lanche que ela comeu vorazmente. Enquanto isso eu guardei seu carro na garagem. Convenci-a a dormir um pouco. Ela relutou [ela é muito teimosa], mas aceitou o convite. Deitei-a em minha cama, deixei-a à vontade. Por umas duas vezes na noite fui à porta do quarto e percebi sua respiração calma e leve. Concluí que ela dormia mansamente. Deu-me vontade de ir até ela, beijar-lhe a fronte e transmitir-lhe todo o cuidado e carinho que sentia naquele momento. Lembrei do nosso passado, do nosso amor. Fomos felizes, muito felizes durante o tempo em que convivemos juntos. Eu amava Fernanda de uma forma muito calma. Nosso amor era um lindo pôr-do-sol imerso em mil tons de cores mansas e calmas. Até hoje me pergunto o que seria de nós se estivéssemos ainda juntos.
Dormi na sala. Hoje de manhã Fernanda tomou café comigo à mesa. Só de calcinha e blusa, meias de algodão nos pés, ela estava nitidamente mais animada. Agradeci pela confiança que depositou em mim, ao me procurar. Senti um carinho muito grande por ela. Senti também vontade de fazer amor com ela. Afinal eu estava com uma mulher semi nua diante de mim, mas ela estava fragilizada e necessitava de compreensão. Além do mais, não aconteceu um clima que propiciasse isso.
Fernanda terminou seu café e foi vestir-se. Surgiu na sala vestida e pronta para ir. Olhamo-nos ternamente, nos abraçamos novamente de forma demorada e ela se foi. Disse que voltava hoje a noite. Disse que quer estar comigo novamente.
A vida é um mistério todos os dias. Ela nos coloca diante de situações inesperadas, boas ou ruins. A essência da vida é descobrir como lidar, como reagir diante de tais situações. Nosso aprendizado reside nisso. O amor é porta aberta que deixamos no passado. Quando menos esperamos, ela se abre diante de nós, fazendo-nos perceber que passado e futuro não existem. São meras invenções humanas. Existe apenas as páginas de um livro infinito, em cujas linhas vamos manchando com a tinta dos dias, marcando nossa história, vivendo nossos momentos.
Amo você Fernanda. Amar-te não significa que ficaremos juntos toda essa vida. Significa que quando penso em você, meu espírito se sente feliz; que quando lhe faço o bem, e vejo seu sorriso lindo vindo para mim, sou tomado de uma magia a qual até hoje não soube descrever.

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